domingo, 27 de abril de 2014

Propaganda do Peugeot 208: as técnicas insidiosas da publicidade



No post de 10 de novembro de 2013 foi usada uma propaganda no novo Focus para se abordar a intertextualidade, ou seja, o fenômeno em que um texto incorpora outro. E não deixar de ser válido notar que a peça publicitária da Ford buscou inspiração nos filmes de ficção científica. Tal fato não apenas põe à tona o avanço tecnológico do produto anunciado. Exibe também uma característica típica da ficção científica, que não é a de profetizar os avanços da Ciência, como alguns pensam, mas o de expressar sonhos que orientarão os passos do progresso humano. Assim, quando uma narrativa mostra, por exemplo, um carro estacionando sozinho, ela acaba divulgando um ideal que o homem lutará por satisfazer.
Na verdade, a aproximação da propaganda analisada com narrativas como Blade Runner, Tron, Eu, Robô coloca em evidência um elemento que torna o comercial de televisão um dos textos persuasivos mais eficazes, pois lida com nossos sonhos mais íntimos. É o que ocorre também no anúncio acima, do Peugeot 208.  Sua inspiração dessa vez é um clássico desenho animado dos estúdios Hanna-Barbera, A Corrida Maluca (Wacky Races, 1968), cuja abertura exibe-se a seguir:

  
Nota-se já na introdução o esquema básico de todos os episódios desse desenho animado e que foram aproveitados no comercial do Peugeot. E essa incorporação permite que se vislumbrem algumas análises clássicas. A primeira é a de que o automóvel é o brinquedo do homem como criança crescida. Em outras palavras, o garoto que se divertia vendo Corrida Maluca, hoje, já um consumidor maduro, poderá ir além da postura passiva de assistir a um episódio dessa animação: ativamente fará parte dela. E ainda, graças ao seu "possante" (não é exagero a ambiguidade desse termo), conquistará a gata da disputa. Mulher, carro, invencibilidade... Parodiando Camões: que mais deseja o homem de alcançar? Nesse ponto, chega-se a outra análise, talvez a mais importante para esse post: a propaganda é um instrumento ferozmente persuasivo porque trabalha com nossos sonhos. Ela promete atendê-los, desde que você compre o produto anunciado. Só assim o consumidor se sentirá um ser humano feliz e completo...

Para escapar então desse canto de sereia, é preciso manter o espírito crítico em alerta na análise de textos propagandísticos para captar a forma insidiosa por meio da qual a publicidade mexe com os ingredientes que fazem parte de nossa estrutura mental profunda e inconsciente, misturando-os aos produtos que ela quer nos fazer consumir.


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domingo, 13 de abril de 2014

Publicidade acusada de racismo: problemas na articulação interna e externa do texto

Muitas vezes já se falou nO Magriço Cibernético que todo texto é composto pela articulação de ideias, que se dá tanto interna quanto externamente. Ignorar essas condições é abrir caminho para erros de interpretação. Trata-se de uma questão simples, mas teimosamente ignorada, o que acaba, de maneira paradoxal, tornando-a complexa. Um exemplo dessa problemática é a publicidade do vereador soteropolitano Marcell Moraes (PV), vista na imagem acima.
Na peça em questão, que tem a intenção de fazer prestação de contas ao eleitor, menciona-se a aprovação de um projeto, de autoria do edil, contra maus tratos aos animais. Há ainda a mensagem de que eles são como nós, seres humanos, e, subentende-se, por isso merecem respeito e bem-estar. Tudo dentro do politicamente correto. Entretanto, a celeuma foi levantada pelo fato de se utilizar uma comparação: um homem negro e um cachorro escuro, ambos fazendo os mesmos gestos – língua de fora e olhar animado e fixo para frente. Comparação simpática e de boas intenções: o cão é elevado ao nível do homem, a afetividade da cena (amamos bichos de estimação) dá valor positivo à campanha, e acaba também se transferindo para a figura humana da foto. Esses eram os elementos que deveriam entrar em ação na articulação do texto e produção de sentido.
Entretanto, o outdoor colocou em cena um elemento marcado socialmente por questões polêmicas: o negro. Houve quem entendesse que a propaganda era discriminatória, pois rebaixava o afrodescendente a um cachorro, ainda mais escuro. Começaram então a fazer uma ligação de ideias que não estava autorizada no texto. Em outras palavras: praticou-se erro de leitura. Bastaria manter em mente que se trata de uma peça de valores positivos e que, portanto, não faria sentido mostrar ideais socialmente corretos por meio de um preconceito. Além disso, a frase da campanha é “Animais são como você”, o que não indica necessariamente rebaixamento, como poderia indicar a oração “Você é como animal”. Poderia.
Todavia, para atender à sanha daqueles que buscam elementos externos para a interpretação de textos, e desabonar as críticas levantadas contra o vereador, bastaria apresentar mais outros dois outdoors da mesma campanha:



A mesma mensagem, personagens diferentes... e nenhuma grita. Por que essa discriminação? Qual a diferença entre essas duas propagandas e a primeira, tão difamada? A única modificação é a presença de um homem negro. Então, para se evitar polêmica, bastaria não utilizar indivíduos desse grupo étnico? E se isso ocorresse, não se tornaria possível então a crítica de que essa grande porção de nossa população não estaria sendo representada?
O que parece estar acontecendo é que a nossa sociedade acordou contra injustiças sociais, o que a faz dar voz e ouvidos às críticas contra o preconceito de qualquer espécie. Esse é um fato bastante louvável e necessário, porque, apesar do muito que avançamos, parece que ainda é pouco, pois o racismo (entre outras formas de discriminação) ainda está presente no nosso meio (basta, a título de “degustação”, dar uma conferida na valiosa página Combate Racismo Ambiental: http://racismoambiental.net.br/tag/crime/), respingando por toda parte, conforme ficamos sabendo pelos noticiários: juízes e jogadores de futebol, estudantes universitários, porteiros, professores. Enfim, lutar contra essas aberrações morais é até obrigação de quem se considera cidadão. Entretanto, há que se ter critério para não se praticar extrapolações interpretativas.
Talvez esses erros de leitura sejam fruto do fator “gato escaldado”. Cansados que estamos de injustiças, despertamos uma reação virulenta contra aquilo que de longe pode parecer um ataque ao respeito ao próximo. E paradoxalmente corremos o risco de nos tornar tão monstruosos quanto aquilo contra o qual lutamos. Ou então tenha virado moda fazer a torto e direito um discurso crítico negativo para se passar uma imagem de maturidade e consciência político-social. Isso seria mais triste.



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