quarta-feira, 20 de novembro de 2013

FUVEST 2015 - Pequenas considerações

No próximo domingo será realizada a prova da FUVEST, um dos vestibulares mais importantes do país. Aquele que vai prestá-la precisa entender que, pelo menos em Português, nos últimos anos essa avaliação tem-se mostrado sem sustos, artimanhas, mistérios ou segredos. Sua intenção não é descobrir entre os estudantes potenciais filólogos, linguistas, gramáticos ou literatos, mas apenas selecionar quem tem competência linguística adequada para as diversas carreiras do ensino superior, não importa se de humanas, biológicas ou exatas.
Dessa forma, por exemplo, as questões de literatura não vão se concentrar em literatices sobre quem escreveu tal livro ou qual o nome de tal período estético. O que se cobrará é o reconhecimento dos mecanismos de funcionamento do texto literário. Assim, pode-se indagar o que a repetição de um evento (consoante, rima, vocábulo, ação, o que quer que seja) tem a ver com a dinâmica da obra em análise.
Nesse ponto, há algo que ressaltar. Já que todo texto literário é um produto social, pode-se cobrar do vestibulando o reconhecimento da relação que um romance ou um poema tem com o seu momento histórico. Assim, o banditismo de Jão Fera em Til é um típico sinal de que a região em que ele se encontra, o interior de São Paulo, ainda não havia se civilizado por completo, abrindo caminho para a utilização desses recursos violentos para a manutenção de uma certa ordem.  Ou então, as plantações de Luís Galvão (cana e café) indicam processos econômicos a que o Brasil se havia dedicado. Até mesmo a posição de sua fazenda revela a maneira como essa região se povoou, concentrada inicialmente em atender a zona aurífera de Minas Gerais. Entretanto, não só de História se viverá. É possível fazer uma ponte com Geografia para entender que o tipo de solo que Alencar chama de rico e ferruginoso é nada mais do que a célebre terra roxa.
Além disso, o candidato deve estar preparado para questões que exigirão a comparação entre as nove obras da lista de livros. Assim, deverá captar, por exemplo, que a presença do comerciante italiano em Til e em O Cortiço revela flagrantes da composição de nossa população. Ou então que a escravidão justifica o comportamento cínico de Brás Cubas ou a desvalorização do trabalho rural como se vê em Jão Fera, de Til, e Jerônimo, de O Cortiço. Sem falar que deixa suas feridas em Memórias de um Sargento de Milícias e Sentimento do Mundo. Enfim, serão questões que funcionarão não apenas como verificação de leitura, mas principalmente de compreensão. Nesse ponto, é bastante válido reler os posts dO Magriço Cibernético dedicados a cada um desses livros (21 de janeiro, 24 de março, 29 de abril, 03 de junho, 17 de junho, 24 de junho, 12 de agosto, 16 de agosto, 02 de setembro, 09 de setembro, 26 de setembro, 03 de outubro, 07 de outubro, 17 de outubro e 28 de outubro).
É também importante lembrar que a FUVEST cobra a compreensão dos mecanismos de funcionamento de uma obra literária e não simplesmente a reprodução de clichês analíticos. Assim, por exemplo, em O Cortiço, obra que todo mundo facilmente associa aos ditames do Naturalismo, pode-se cobrar características comuns ao Romantismo, como a exuberância da natureza brasileira ou a sensualidade feminina associada ao ambiente em que a mulher vive. Ou em Capitães da Areia, há que se lembrar que, apesar de se tratar de um romance do regionalismo modernista, a relação entre Pedro Bala e Dora é uma atualização do Romantismo.
Quanto às questões de interpretação de textos que não fazem parte da lista de obras da FUVEST, o que inclui os literários e os não-literários, o esquema será basicamente o mesmo: o candidato será instado a observar e identificar os mecanismos de funcionamento da linguagem. Assim, será cobrada não só a compreensão do significado de um texto, mas também a busca, por exemplo, de uma palavra que sintetize as ideias apresentadas. Ou então, de uma expressão que as repita em outras palavras. Ou ainda as manifestações dos diferentes níveis de linguagem, principalmente o formal e o coloquial, assim como a transferência de uma frase de um registro para outro. Mas o que se tem mostrado mais interessante é que muitas vezes essa prova exige que o candidato observe um fato apresentado no enunciado para, sem se preocupar em classificá-lo ou rotulá-lo, localizar uma alternativa em que haja uma frase como o mesmo mecanismo linguístico.
Quanto à Gramática, percebe-se que não há mais espaço para filigranas como a cobrança do tipo de sujeito ou oração, ou a identificação da diferença entre um complemento nominal e um adjunto adnominal, entre um predicado verbal e um predicado nominal. As questões têm-se mostrado mais inteligentes, na medida em que mais razoáveis, pois cobram o que é útil para qualquer profissional, não somente para os especialistas em língua. Assim, quando aparecem testes sobre regência, concordância, crase, nota-se que a resposta é obtida sem absurdos conhecimentos gramatiqueiros, mas com um pouco de raciocínio e intelecção textual. No mesmo campo estão questões que pedem para que o candidato indique o valor de uma palavra, principalmente o de um pronome. Alcança a resposta quem compreende o contexto em que ela está inserida. Ou seja, quem sabe ler.
Enfim, é nesse ponto que a FUVEST se tem consagrado como um excelente exame. É uma prova que apenas verifica quem tem competência linguística. Essa habilidade será essencial para quem quiser estudar com eficiência na vida acadêmica. Qualquer que seja a carreira.



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domingo, 17 de novembro de 2013

O menino do esgoto: literatura a uma hora dessas?

Diego Nigro - 24.out.2013/JC Imagem/Folhapress
No começo deste mês, alguns jornais publicaram a foto (vista acima) de Paulo Henrique, 9 anos, mergulhando no esgoto do canal do Arruda, em Recife. O que levou esse menino a fazer algo tão nojento quanto inacreditável? Os 200 reais mensais que sua mãe recebe como faxineira são insuficientes para o sustento da família, por isso o garoto tem de entrar naquela água imunda e fétida para catar latinha para reciclagem. Obtém no máximo 10 reais por dia. Trata-se, sem dúvida, de um fato chocante, mas que passou quase despercebido do grande público, afogado em acontecimentos não menos importantes como o uso de beagles para pesquisa cosmética, a ostentação vazia e ingênua do rei do camarote, a rebeldia mimada e delinquente de Justin Bieber, o assassinato cruel e inexplicável do pequeno Joaquim e as primeiras prisões ainda que tardias dos participantes do escândalo do mensalão.
A mãe de Paulo Henrique confirma ter preocupação com essa atividade do filho, pois teme que ele pegue alguma doença. Na verdade, o contágio já se efetivou e está há muito disseminado, mas não só no garoto. Ele é só a pontinha do iceberg que flutua nesse esgoto. O resto engloba todos os fatos listados acima, que curiosa e paradoxalmente, submersos, ajudaram a ocultar o drama social dessa família. O pequeno é a parte mais visível de um problema, tornado invisível. É mais um entre tantos incômodos que fazemos de conta que não existem. Enquanto as prefeituras não “higienizam” essa realidade, nosso olhar seletivo preocupa-se em fazer de conta que ela não está aí.
Às vezes, certos malucos quebram esse esquema de apatia, conformismo, comodismo, egoísmo e cegueira. Alguns deles são os literatos. Em 1973, por exemplo, época do milagre econômico que gerou muito do que o Brasil é hoje, José Paulo Paes publicava Meia Palavra, no qual se encontra o poema “Seu Metaléxico”:

          desenvolvimentir
          utopiada
          consumidoidos
          patriotários
          suicidadãos

Páginas e páginas de filosofia, sociologia e história foram gastas para analisar o Brasil. De maneira igualmente competente, mas bem mais concisa, Paes dá sua explicação por meio da fragmentação e recombinação de palavras, produzindo efeitos bastante chamativos. Ao misturar, por exemplo, “economia” e “miopia”, transmite a ideia de que as políticas econômicas não enxergam o verdadeiro problema da nação. Basta lembrar que com a crise de 2008, provocada de certa forma pelo excesso de consumo nos EUA, a tática usada tanto lá quanto aqui foi justamente criar linhas de crédito. É como jogar gasolina para apagar incêndio. Não se repensou todo o nosso sistema de valores, o que nos levaria a concluir que não precisamos de tanto – podemos ser mais felizes com bem menos. Para que ter sempre o carro do ano? Para que ter sempre a mais nova versão de smartphone? Para que ter sempre a última roupa da moda? Por que esse consumo insano e desenfreado tornando-nos “consumidoidos”? Estamos nos matando para sempre ter, esquecendo o mais vital, que é viver. Somos “suicidadãos”.
Haveria um ideal nobre sustentando esse nosso comportamento: nosso consumo faz a economia girar, gerando mais riqueza para o país. Trata-se, na verdade, de uma “utopiada”, uma utopia que não pode ser levada a sério. Quem tem coragem de falar para Paulo Henrique sobre essa pujança econômica do Brasil, a 6ª do mundo? Só um “patriotário” teria essa disposição. Ou o garoto do esgoto é um dano colateral? Um caso perdido? Então a política desenvolvimentista brasileira é uma mentira (“desenvolvimentir”), pois não produz igualdade social. Ou esta seria mais uma utopiada?
Dessa forma, entende-se que a literatura, por meio do uso estético da linguagem capaz de afetar nosso aparelho emotivo, muitas vezes serve para acender uma luz em meio à escuridão alienante, funcionando como instrumento de resistência ao descalabro em que se encontra a sociedade. Não é essa a sua principal função, mas, quando bem realizada, faz-nos ter esperança na espécie humana. Mesmo quando a mensagem é pessimista, é sinal de que nem tudo está perdido.
  
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domingo, 10 de novembro de 2013

Intertextualidade na propaganda do novo Focus


Nos posts de 01 de abril de 2012 e 27 de outubro de 2013 falou-se de paródia. Ficou claro que se trata de um texto que imita outro, alterando seu tom original, o que provoca efeito humorístico. Esse procedimento, no entanto, não pode ser confundido com intertextualidade, que é a referência que uma obra outra faz de outra, muitas vezes incorporando seus elementos. É o que acontece no comercial acima, do Focus.
Inicialmente, deve-se lembrar que a propaganda é um texto que tem a função de divulgar um produto. Para tanto, utiliza-se de inúmeros recursos com a intenção de chamar a atenção do receptor para a mensagem que está sendo divulgada. Para tanto, na peça acima, a modernidade do veículo é ressaltada graças à comparação com os avanços vistos em filmes de ficção científica. Nesse ponto, ocorre a intertextualidade.
Um cinéfilo refinado notaria que a peça publicitária utiliza uma música com violinos em crescendo, criando um clima épico. É uma composição praticamente gêmea da que aparece em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012). Entretanto, mergulhemos em outras associações mais simples.


A primeira referência que se estabelece é com a saga Star Wars. A publicidade abre com uma impactante corrida de veículos, o que nos faz lembrar a cena da pod race, apontada como a única de valor no Episódio I: A Ameaça Fantasma (1999), e que na verdade era por sua vez uma intertextualidade com a corrida de bigas de Ben Hur (1959).



Pouco depois, aparece uma agitada e lotada avenida aérea. Ocorre agora uma referência à paisagem de Coruscant, a capital do Império, vista nos episódios I, II (2002), III (2005) e VI (1983) de Star Wars.


Em seguida, a propaganda mostra o Focus estacionando automaticamente. Seu design robusto contrasta com o caráter exótico dos longilíneos veículos que também parqueiam sozinhos. Estabelece-se uma ligação com Eu, Robô (2004), em que se depara com a comodidade de locomoção e garagens automatizadas.


Logo após, vemos uma cidade noturna e chuvosa, como imensos painéis propagandísticos digitais com a figura de uma japonesa. Pratica-se aqui uma intertextualidade com Blade Runner (1982), filme que se passa na sombria Los Angeles de 2019.


Por fim, o veículo é visto em aceleração, emparelhado com outros dois em um cenário dominado pelo neon. Manifesta-se a associação com a corrida de motos em Tron – O Legado (2010), filme que parece ter caprichado no visual futurístico retrô – e só.


Essas referências que a peça publicitária faz a várias obras cinematográficas de ficção científica consiste, portanto, como já se falou, no recurso conhecido como intertextualidade. É o que se manifesta, por exemplo, na canção “Até o Fim” (1978):


O ouvinte com um bom repertório cultural, ao ouvir o início da composição, imediatamente se lembra da primeira estrofe do primeiro poema (“Poema de Sete Faces”) do primeiro livro de Carlos Drummond de Andrade, Alguma Poesia (1930):

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

Em ambos os textos ocorre o nascimento do enunciador sendo visto de forma simbólica, nele ocorrendo um anjo que vaticina, que marca o destino daquele que acabava de vir ao mundo.

Carlos Drummond de Andrade

É importante lembrar que a intertextualidade não constitui plágio. A incorporação de elementos de um texto em outro não tem relação com esse crime empobrecedor. Na verdade, a graça desse expediente está em fazer com que o interlocutor perceba as fontes que estão sendo mencionadas. Além disso, não é um expediente de falta de criatividade, de penúria intelectual, mas um processo enriquecedor que é fruto da comunicação entre textos. O que lembra bem o slogan da propaganda do Focus (“tecnologia do futuro na sua garagem”): é colocar os ingredientes dos outros no seu texto.

 
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domingo, 3 de novembro de 2013

Lily Allen, Pink e Machado de Assis: as astúcias do viés


No post de 24 de março de 2013 falou-se de como é importante prestar atenção ao viés segundo o qual um texto é produzido. Ter consciência do ponto de vista do enunciador faz com que se entenda o filtro que ele utiliza na expressão de suas ideias e, assim, perceber suas limitações ou manipulações interpretativas. Em outros termos, captar bem mais do que ele está declarando. No entanto, é também interessante detectar quando o autor trabalha esse elemento para fazer com que a voz enunciadora acabe afirmando mais do que aquilo que está literalmente em suas palavras. É o que acontece na canção “The Fear” (2008), da britânica Lily Allen. Nela, melodia, voz e letra assumem coerentemente um ar cândido, quase infantil, por meio do qual o eu-lírico confessa suas preocupações fúteis: ser uma bela celebridade endinheirada. É válido ler essa composição:

I want to be rich and I want lots of money
I don't care about clever I don't care about funny
I want loads of clothes and fuckloads of diamonds
I heard people die while they are trying to find them

I'll take my clothes off and it will be shameless
'Cause everyone knows that’s how you get famous
I'll look at the sun and I'll look in the mirror
I'm on the right track yeah I'm on to a winner

I don't know what's right and what´s real anymore
I don't know how I'm meant to feel anymore
When do you think it will all become clear
'Cause I'm being taken over by The Fear

Lifes about film stars and less about mothers
It's all about fast cars and passing each other
But it doesn’t matter cause I'm packing plastic
and that's what makes my life so fucking fantastic

And I am a weapon of massive consumption
and it’s not my fault it’s how I'm programmed to
function
I'll look at the sun and I'll look in the mirror
I'm on the right track yeah I'm on to a winner

I don't know what´s right and what´s real anymore
I don't know how I'm meant to feel anymore
When we think it will all become clear
'Cause I'm being taken over by The Fear

Forget about guns and forget ammunition
'Cause I'm killing them all on my own little mission
Now I'm not a saint but I'm not a sinner
Now everything is cool as long as I'm getting thinner

I don't know what´s right and what´s real anymore
I don't know how I'm meant to feel anymore
When do you think it will all become clear
'Cause I'm being taken over by fear

A letra mostra a sinceridade de frases de um cinismo indecente: ” “everything is cool as long as I’m getting thinner” (“tudo está bem desde que eu me torne cada vez mais magra”). Entretanto, a força desse texto não está no seu aspecto literal, mas no que deixa mal escondido sob o tapete. Para tanto, basta observar trechos como “It’s not my fault, it’s how I’m programmed to function” (“Não é culpa minha, é como eu fui programada para funcionar”), “I am a weapon of massive consuption” (“Eu sou uma arma de destruição em massa”, em que “consuption” também está ambiguamente ligado a consumismo, tema subjacente da canção), “cause I’m killing them all on my own little mission” (“porque eu estou matando todos eles com minha própria pequena missão”, em que “little” ganha uma força surpreendente para o sentido do texto).

Lily Allen

Mas o momento em que o aspecto crítico se mostra mais escancarado é em “I want loads of clothes and fuckloads of diamonds / I heard people die while they are trying to find them” (“Eu quero um monte de roupas e uma porrada de diamantes / Eu ouvi dizer que pessoas morrem enquanto tentam consegui-los”). Nele, há uma aparente desconexão entre os versos. Aparente. Expõe-se aqui a relação entre a posse de diamantes, e todos os valores de ostentação de luxo a que essa ação está ligada, e as condições desumanas e sangrentas em que esse minério é extraído na África. Assim, está e não está no texto uma crítica ao consumismo. A autora não precisou fazer um ataque inflamado em terceira pessoa, um recurso mais comum, visto, por exemplo, na instigante canção “Stupid Girls” (2006), da norte-americana Pink:

  
Para se ter uma ideia da virulência do ataque dessa composição, é importante uma rápida leitura de sua letra:

Stupid girls, stupid girls, stupid girls
Maybe if I act like that, that guy will call me back
Porno paparazzi girl, I don't wanna be a stupid girl
Go to Fred Segal, you'll find them there
Laughing loud so all the little people stare
Looking for a daddy to pay for the champagne
(Drop a name)
What happened to the dreams of a girl president
She's dancing in the video next to 50 Cent
They travel in packs of two or three
With their itsy bitsy doggies and their teeny-weeny tees
Where, oh where, have the smart people gone?
Oh where, oh where could they be?
Maybe if I act like that, that guy will call me back
Porno paparazzi girl, I don't wanna be a stupid girl
Maybe if I act like that, flippin' my blonde hair back
Push up my bra like that, I don't wanna be a stupid girl
(Break it down now)
Disease's growing, it's epidemic
I'm scared that there ain't a cure
The world believes it and I'm going crazy
I cannot take any more
I'm so glad that I'll never fit in
That will never be me
Outcasts and girls with ambition
That's what I wanna see
Disasters all around
World despaired
Their only concern
Will they fuck up my hair
Maybe if I act like that, that guy will call me back
Porno paparazzi girl, I don't wanna be a stupid girl
Maybe if I act like that, flippin' my blonde hair back
Push up my bra like that, I don't wanna be a stupid girl
(Do ya thing, do ya thing, do ya thing)
(I like this, like this, like this)
Pretty will you fuck me girl, silly as a lucky girl
Pull my head and suck it girl, stupid girl!
Pretty would u fuck me girl, silly as a lucky girl
Pull my head and suck it girl, stupid girl!
Maybe if I act like that, flippin' my blonde hair back
Push up my bra like that, stupid girl!
Maybe if I act like that, that guy will call me back
Porno paparazzi girl, I don't wanna be a stupid girl
Maybe if I act like that, flipping my blonde hair back
Push up my bra like that, I don't wanna be a stupid girl

A crítica de Pink é também ácida. Basta notar a corrosão que é feita não só no título e na abertura da composição, que ofende o alvo da crítica, mas também no trecho “What happened to the dreams of a girl president / She's dancing in the video next to 50 Cent” (“O que aconteceu com os sonhos de uma garota presidente? / Ela está dançando no vídeo junto a 50 Cents”). Condena-se a estúpida vacuidade a que o gênero feminino é condenado pela sociedade, qualidade ilusoriamente vista como positiva. Trata-se do desmascaramento da ideologia, assunto já comentado no post de 14 de abril de 2013. É certo que ocorre também o uso da primeira pessoa, como no texto de Allen, mas o importante aqui é notar a diferença entre alguém de fora atacar, ou seja, a crítica ser feita em terceira pessoa, recurso ao qual nós estamos acostumados, e a criatividade em se dar voz ao próprio setor a ser vilipendiado. Seu próprio discurso o condena. Assim, o viés acaba sendo manipulado para produzir efeitos retóricos surpreendentes. No caso mais rotineiro, pode-se até pensar que o discurso de Pink seria baseado na inveja, o que seria mais difícil de apontar no texto de Lily Allen.
  
Pink

Esse poderoso recurso é sabiamente explorado em clássicos como Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e Dom Casmurro (1899), de Machado de Assis. Neles, o Bruxo de Cosme Velho dá a voz a membros da elite brasileira que, por meio de seu discurso, acaba pondo a nu o vazio da existência de seus membros, entregues ao tédio, ao autoritarismo e a um comportamento caprichoso garantido por uma folgada condição econômica. Assim, Brás Cubas pode explorar a miséria de Dona Plácida ou brincar com as esperanças da nobre Eugênia. Pode ainda escrever de maneira digressiva, sem respeitar o ritmo ou à paciência do leitor. E no fim confessar que tudo isso é natural e até correto. O mesmo ocorre com Bentinho, que, apoiado em uma sociedade patriarcal, pode sufocar a energia de vida da brilhante Capitu, até fazê-la perecer moral e fisicamente no exílio, tudo em razão das vontades mimadas de um adulto que não largou a infância.
  
Machado de Assis

Enfim, os exemplos acima são bastante convincentes para que se entenda que o viés é um elemento importante para a construção e principalmente interpretação de um texto. Prestar atenção ao ponto de vista do enunciador ajuda a entender o universo consciente e até inconsciente do ato de enunciação, o que contribui saborosamente para a riqueza da leitura.
  

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